Compartilho na matéria dessa semana um pensar da psicóloga, pedagoga e pesquisadora Nivia Lanznaster, mestre em Educação, sobre Autoeducação, escrito já em formato de artigo.
RESUMO: A autoeducação renasceu nas décadas de 80 e 90 quando surgiu o EaD no Brasil. A expectativa do EaD, era uma mudança comportamental dos agentes envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, do aluno, do professor e da instituição de ensino, esses agentes deveriam desenvolver a capacidade de ensinarem a si mesmos, através de interesses, necessidades de estudar, criação de conhecimentos e artefatos com flexibilidade para decidir quando, como e com quais conteúdos e atividades eles se engajam, para resolver problemas imediatos e reais. Passadas décadas percebem-se poucas mudanças no comportamento e no formato pedagógico. O foco recaiu mais no desenvolvimento de tecnologias como artefato atrativo no processo de ensino e aprendizagem.
Palavras-chave: Autoeducação. Brasil. Autoestudo.
1 INTRODUÇÃO
A educação brasileira vem apresentando, nas últimas décadas, desempenho decadente na avaliação mundial realizada pelo PISA – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, que compara, internacionalmente, o desempenho dos estudantes na faixa etária dos quinze anos. O PISA avalia os seguintes domínios: Leitura, Matemática, Ciências, Letramento e Competência Global. O ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, em uma entrevista coletiva concedida no dia 3 de dezembro de 2019, pronunciou-se sobre o baixo desempenho dos estudantes. O ministro culpa anos de governo do Partido dos Trabalhadores (PT): – Não dá nem para atribuir ao Temer, que ficou muito pouco no poder. Segundo ele, a educação brasileira está estagnada: – Não houve progresso, estatisticamente. A despeito do que já foi investido, estamos de lado.
Através de minha experiência como professora e psicóloga educacional, através do método da observação, formulei os possíveis motivos do baixo desempenho dos estudantes brasileiros nas últimas décadas, vejamos alguns motivos para o baixo desempenho dos estudantes brasileiros:
- da profissão de professor não ser atrativa e não ter reconhecimento na sociedade;
- da formação precária de professores;
- do currículo e material didático;
- dos professores perderem tempo disciplinando os alunos;
- da ênfase em práticas de dinâmicas e técnicas disciplinadoras;
- da ênfase em dinâmicas e técnicas de relacionamento em sala de aula;
- dos métodos adotados nas escolas;
- da aprovação automática;
- dos problemas de indisciplina na sala de aula;
- e do bullying praticado contra aqueles que querem estudar.
O professor Marcelo Hermes Lima, estudioso do impacto da produção científica no Brasil, apresentou dados alarmantes: apesar da enorme quantidade de trabalhos apresentados, há baixíssimo impacto internacional. Os resultados são preocupantes e assustadores. O pesquisador encontrou deficiências de método e falta de atualização na bibliografia utilizada, como podemos conferir em seu estudo. Apresentou também dados impressionantes sobre a gravidade da situação da educação e da pesquisa: o problema não é emergente, vem ocorrendo há décadas. Isso demonstra que o esforço e dinheiro públicos não dão retorno algum para a sociedade e a ciência. Acrescento à pesquisa do professor Lima a deficiência dos alunos, na prática, de autoestudo e a falta de liberdade para o professor ensinar.
2 POR DENTRO DA AUTOEDUCAÇÃO
A autoeducação baseia-se no princípio da iniciativa própria e no método de autorreflexão, que é a capacidade de conectar o que aprende à experiência pessoal. É, também, a capacidade de abstrair, formando independência de julgamento a partir de um conjunto de informação e conhecimento.
A autoeducação pode ser definida como a capacidade de uma pessoa ou organização educar a si mesma. Seu conceito e métodos têm especificidades, distancia-se do sistema dependente para buscar o conhecimento. É importante dizer que a autoeducação não dispensa o docente, muito menos dispensa os conhecimentos produzidos por outras pessoas em tempo passado.
A autoeducação só pode ocorrer quando o indivíduo não só deseja encontrar respostas, mas age para alcançar seus objetivos. Assim, a cultura será parte dele, de sua personalidade, de sua bagagem, e não um mero conhecimento superficial. Para compreender melhor a autoeducação, vamos imaginar o seguinte: um grupo de pessoas está sentado à mesa para jantar. Umas estão com muita fome e outras sem apetite. Talvez nem todas concordassem com a escolha do cardápio, preferiam outro. O cardápio pode ser comparado à educação em massa. Se cada participante do jantar tivesse escolhido o seu prato preferido, seria a personalização da aprendizagem, em que cada aluno estuda conforme seus interesses e habilidades. Todos estão sentados à mesma mesa para jantar (alunos estudando em grupo), mas o processo de mastigar, degustar, engolir a comida, o tempo e o ritmo de digestão do alimento é um processo particular e privado, mesmo estando todos juntos. Assim ocorre também com a aprendizagem. Ainda que os alunos estejam em grupo ou aprendendo sozinhos, a experiência ocorre individualmente, sendo esse é um processo subjetivo intransferível.
O autoestudo no Brasil está engatinhando por iniciativa de alguns estudiosos no assunto que estão se aprofundando na pesquisa de conceitos, práticas e resultados. Está relacionado diretamente à autonomia e a autorregulação do aprendiz e pode ser aprendizagem diretiva ou auto diretiva. Na diretiva, o educador é responsável pela gestão do processo de ensino e aprendizagem. Na aprendizagem auto – diretiva, o aprendiz toma esse papel, de forma que o educador auxilia na sustentação da atenção e na elaborar a atividade.
O método de autoeducação está dividido em três fases conforme as etapas acadêmicas que um indivíduo percorre. Elas não são rígidas e adaptam-se aos talentos e demandas de cada aluno.
Primeira fase – De mãos dadas
São os primeiros passos para a autoeducação e corresponde à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental I (do primeiro ao quinto ano). Nesse período, cabe ao professor e aos pais, em todas as situações de ensino e aprendizagem, a decisão de quando adotar a educação diretiva ou a auto diretiva. O professor precisa estar atento à fase de desenvolvimento da criança, seus interesses, necessidades, habilidades e competências. Para essa faixa etária, a metodologia da autoeducação é composta por etapas sucessivas de aprender a personificar o conhecimento. Personificação, diferente de personalização, é o aluno conseguir traduzir, através do seu jeito próprio, aquilo que aprendeu pelo processo psiconeurológico. Somente quando ele consegue transmitir o que aprendeu, com suas próprias palavras, podemos dizer que realmente aprendeu.
Nesta primeira etapa, as crianças precisam do professor para aprender o processo de personificação, ou seja, o professor é o ego-auxiliar. Nesta fase, a criança irá aprender através de um pro- grama, incluindo artes, atividade física, histórias dramatizadas e estudo das ciências no ambiente da natureza, estimulando o espírito de aventura, coragem, responsabilidade e iniciativa pessoal ensinando a criança a:
- ter interesse honesto pelo estudo;
- incorporar o conhecimento, exteriorizá-lo, torná-lo parte de si;
- aplicar o conhecimento no cotidiano;
- conectar o conhecimento às virtudes humanas.
A autoeducação é a alavanca para autonomia,” autonomia e conseguir fazer um projeto de vida apesar das resistências internas e externas.”
Assim, as atividades são mais diretivas: o professor ensina e estimula a autonomia da criança, permitindo que ela erre, peça ajuda e desenvolva a capacidade de perceber quais atividades pode realizar com autonomia e em quais, precisa de auxílio.
Segunda fase – Soltando as mãos
Esta fase compreende o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio. Aqui, cabe ao professor e ao aluno identificar quando há necessidade de adotar a prática educativa diretiva ou a auto diretiva. O professor precisa estar atento à evolução de seu aluno, e este precisa aprender a reconhecer quando consegue estudar sozinho e quando precisa pedir ajuda. O programa inclui gramática, estudo dos clássicos (conhecimento permanente para todas as épocas), matemática e ciência. O método de reflexão pessoal forma a independência de julgamento, tornando o estudante capaz de ensinar a si mesmo. As atividades pedagógicas devem permitir ao aluno fazer elos entre o que aprende e a experiência pessoal. Ele também precisa aprender habilidades de personalização de estudo e o caminho para acessar a inteligência, que difere para cada aluno e inclui as artes de estudar, de compreender o mapa interno e de saber utilizá-lo.
Terceira fase – Caminhando com as próprias pernas
Corresponde à graduação e à pós-graduação. Nesta etapa, o aluno identifica, por si mesmo e em quase todas as situações de aprendizagem, quando adotar as práticas educativas auto diretiva e diretiva. Entretanto, só será bem-sucedido caso tenha percorrido adequadamente as etapas anteriores. Aqui, o objetivo é educar a si mesmo. Isso não significa a ausência do mestre; apenas gênios conseguem tal proeza.
Durante o Ensino Superior, o estudante já deve ter adquirido alguma categoria de ajuste do seu foco interior para poder enxergar a vida com realismo. O professor, então, deverá ser pouco diretivo: ensinar a usar os meios e recursos para buscar a verdade ou se aproximar dela através de metodologias adequadas. Assim, as atividades pedagógicas visam a tarefas de estudo individualizadas de modo que, mesmo em trabalhos de grupo, o estudante deve percorrer seu caminho para conseguir reproduzi-lo para outras pessoas.
O loop ou passos da autoeducação – inicia-se pela personalização, depois dessa etapa o estudante personifica o aprendizado e em seguida reproduz deixando um legado para as próximas gerações.
Glossário de termos pedagógicos sobre autoeducação
Expressão cognitiva e reprodutiva: representa a capacidade da pessoa conseguir expressar, do seu próprio jeito, aquilo que aprendeu, reproduzindo o conhecimento para outras pessoas.
Expressão e reprodução discente: capacidade de transmitir o conhecimento de maneira pessoal, para si mesmo e para outras pessoas.
Expressão e reprodução institucional: expressão cognitiva personalizada, criada pela própria instituição, podendo ser reproduzida para outras pessoas. É o legado cultural/cognitivo da instituição para a sociedade e para as próximas gerações.
Personalização: a personalização gira em torno das necessidades, interesses e necessidades das pessoas interesses.
Personificação: é um processo subjetivo. As funções cognitivas envolvidas na aprendizagem são privadas e associam-se às manifestações públicas, mas estas não descrevem o processo cognitivo interno de modo direto. A personificação é um processo subjetivo aliado aos objetos externos. As funções cognitivas que envolvem a personificação são: linguagem, memória, razão, atenção, inteligência, percepção, memória operacional, criatividade, consciência ampliada e emoções. Esse processo tem a função de integrar a personalidade do aluno e o conhecimento. Assim, são integrados e unificados em função da singularidade do organismo, e para o benefício desse organismo único. Quando a pessoa consegue expressar de maneira pessoal, em qualquer lugar e espaço, aquilo que aprendeu, significa que personificou o conhecimento.
Processo cognitivo: imaginação: meio pelo qual o discurso poético abre a imaginação ao reino da possibilidade e do mito; vontade: meio pelo qual um indivíduo leva os outros à vontade de admitir uma crença; pensamento: meio pelo qual se averígua a razoabilidade da crença admitida na vontade; certeza: meio de demonstração ou certeza científica da crença admitida no pensamento dialético.
Personificação institucional: corresponde a uma formação de “personalidade” de produção e expressão cognitiva própria da instituição.
3 CONCLUSÃO
Minha pesquisa teve como temática autoeducação, com o objetivo de apresentar conceitos e práticas educativas de autoeducação. O estudo sobre autoeducação desdobrou-se no estudo secundário “conexão da autoeducação e as tecnologias”. Assim, o estudo resultou na publicação de dois livros eletrônicos e no curso sobre autoeducação e as tecnologias.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, O. A ciência contra a razão, 7 de janeiro de 2009. Diário do Comércio. Acesso em: fev. de 2020.
_____. A existência do “EU”, Aula 23 – Coleção História Essencial da Filosofia. São Paulo: Editora É Realizações, 2014.
_____. Aristóteles em nova perspectiva: introdução à dos Quatros Discursos, 2013. Campinas, SP: Vide Editorial, 2013.
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Disponível em: Acesso em: jun 2020.
Lanznaster, N. Autoeducação: conceitos, métodos e práticas de ensino de estudo individual [livro eletrônico] / Nivia Lanznaster. – São Paulo: Recanto das Letras, 2020, 80 p.ISBN: 978-65-86751-14-7.
LIMA, M.H. No Brasil, 80% das Pesquisas em Educação são desconsideradas pela Comunidade Acadêmica. A Gazeta do Povo, 13 de abril de 2019. Disponível em: acesso em: 20 jun. de 2020.
MEC – Ministério da Educação. Disponível em: Acesso em: 20 jun 2020.
Que matéria maravilhosa!
O indivíduo precisa estar preparado para receber o conhecimento e torná-lo significativo em sua vida.
A autoeducação só é efetiva quando se esse mesmo indivíduo for “ensinado”, estimulado por um educador anteriormente.
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Graças a você essa matéria tomou um novo rumo.
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Obrigada professor!
Vindo de você é um grande elogio e sempre poder dizer do privilégio de compartilhar e partilhar da sua sabedoria!
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Excelente artigo. Por onze anos também atuei na área da Educação e o tema é bem relevante para nosso País. Grato
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Excelente consideração de um mestre e amigo
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